Repetir, repetir, até quando?

Você já teve a sensação de que o dia de hoje está sendo exatamente como o dia de ontem?

Não foi o dia que não mudou, você que tem repetido as mesmas atitudes, diariamente.

Como diz o poeta Chico Buarque em sua música “Cotidiano”: “Todo o dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis da manhã, me sorri com um sorriso pontual e me beija com a boca de hortelã”. Estas palavras retratam a nossa rotina diária.

O filme O Feitiço do Tempo, no qual o personagem principal repete os dias exatamente da mesma forma, também mostra esse cotidiano.

Como é possível parar essa repetição e fazer com que essa mudança aconteça? As mudanças externas acontecem diariamente, mas as pessoas cristalizam sua conduta. Se não mudarmos nosso mundo interno, será sempre mantido o mesmo padrão de comportamento, pois existe uma predisposição de o indivíduo ir apenas repetindo situações aprendidas. O nosso cérebro reptiliano, igual aos dos animais: quando acionado, aparecem apenas os impulsos, vindo apenas os instintos de sobrevivência.

Desde o nosso nascimento somos inseridos nesse ciclo social, em que o ser humano vai repetindo os valores sociais que são passados por nossos pais. O lado positivo é a conservação dos valores éticos, religiosos, dos nossos ancestrais, por exemplo: cada família poderia ser rotulada com o nome daquilo que é mais valorizado por seus membros ao longo da história, que é também uma forma de preservação da cultura e dá espécie.

O lado negativo dessa repetição é não se permitir evoluir cristalizando as condutas, sem questionamento, correndo-se o risco de repetir sempre o mesmo erro, ou até de entrar em um ciclo de autossabotagem. Por isso, faz-se necessário sair da reminescência (sempre repetindo), para a revivescência (sempre criando).

Por trás de várias patologias está a compulsão a repetição, por exemplo: os transtornos alimentares como a bulimia, anorexia, comer compulsivo, distúrbios de personalidade, abuso de dependência de drogas, ou transtorno obsessivo compulsivo. A pessoa vai em busca do preenchimento de um vazio emocional, por isso a dificuldade de resolver esses conflitos, pois está no seu período de molde, na formação da personalidade.

Ao longo da nossa jornada vamos criando dogmas e introjetando conteúdos difíceis de serem alterados, e assim desenvolvemos também o apego (meu prato favorito, minha bebida favorita), não nos permitindo ao novo, e ao exercício da criatividade.

Na vida adulta, somos a soma das nossas escolhas, portanto pagamos um preço alto por não estarmos aberto a novas mudanças, porque temos medo do novo, do desconhecido. A vida fica repleta de “mesmices”: as férias são repetidas anualmente, no mesmo local, no mesmo período, na mesma praia.

A análise pessoal é um espaço onde a pessoa possa se observar. Um dos objetivos, além da conversa do inconsciente com o consciente, é de se conhecer e parar de repetir. A melhor forma é resolver os seus conteúdos reprimidos e aprender a usar novos mecanismos de defesa que sejam mais saudáveis.

As mudanças são possíveis por meio de um olhar para dentro de si mesmo. Ao parar de repetir, é possível recriar a vida, sair de uma patologia, seja ela qual for. Hoje temos uma sociedade em que se fala muito de padrão estético, e muito pouco da saúde mental.

Temos muito mais acesso pelos meios de comunicação, livros, internet, porém a “sabotagem” continua. Se sabemos que é prejudicial por que continuamos a nos prejudicar? Porque passamos a conhecer os perigos das condutas inadequadas, no nível consciente, na parte cognitiva, mas o princípio de prazer de muitos vícios que dominam e controlam o afetivo inconsciente. Por isso, as pesquisas ainda apontam para taxas elevadas de mortes precoces e relacionadas a essas condutas inadequadas.

O grande desafio do adulto é ser capaz de criar e se recriar, ao se permitir a novos padrões, novas condutas. Poderá assim descobrir novos sabores, novas sensações, e se deparar com sentimentos que nunca esperou encontrar, como o alivio, a paz, a tranquilidade. Para recriar sua própria história, é necessário se descobrir, se tornar autêntico. Só assim é possível “tornar-te quem tu és”.

Neste texto fica um alerta para que cada um se reveja em seu estilo e padrão de vida e em quais condutas se está repetindo. É possível começar com pequenas atitudes diárias que podem fazer muita diferença, pois somos nós que escolhemos a nossa história. É importante não só viver mais anos, mas sim viver melhor os anos que se vive.